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Mostrando postagens de 2007

Recesso mental

Faz umas três semanas desde que meu cérebro parou. Ele pede férias, e eu concordo.

Entretanto

De repente a gente se acostuma com o vento frio que sopra de alguma direção desconhecida. Se acostuma também com as feridas nas mãos, que nunca se curam, e com os olhos baixos, um pouco amargos, que não permitem divisar horizonte algum.Talvez a gente supere a questão da assimetria, do lado direito ser mais rústico que o esquerdo. Pode ser que num dia vazio a gente consiga caminhar pelas ruas, com uma música antiga na cabeça, com passos largos e lentos nos pés e a indiferença pelo mundo disfarçada atrás dos óculos escuros. Quem sabe a gente pára de esperar ligações, companhia ou compaixão, supere as fobias crescentes e vença os medos infantis. Na verdade, um dia a gente cria coragem para pôr a cara no mundo, mas isso do nosso jeito, contido, sem expansões ou excessos, que afinal não gostamos nem dos excessos nem da noite. Faremos tudo isso na segurança das manhãs claras, nos despedindo com um sorriso largo e uma mala nas costas. Caminharemos até o fim da rua e dobraremos a esquina, rumo

Horas duráveis

Um leve tremor lhe sobe pelas costas frias, e sobe até tomar os dois olhos negros como lugar de repouso. O olhar, comandado pelo medo autoritário, vai por caminhos oblíquos, ultrapassando os vãos negros dos mistérios indecifráveis. Esse olhar assim cada vez mais marcado pela tristeza linear e amarga, só pode pertencer a alguém demasiadamente apegado à própria dor e que seja, de uma certa forma inconfessável, orgulhoso de sua melancolia. São olhos que se fecham ante a grandeza que oprime todo o ser, ante o cansaço que assola todo o corpo, ante o medo que consome toda a vida. As mãos, igualmente trêmulas, repousam rápida e nervosamente sobre os olhos, como se assim fosse possível impedir a torrente estúpida de lágrimas aflitas. O peito inócuo anseia por dar as respostas vazias que acolhe, mas algo impede que a voz tímida e áspera saia, ferindo confusamente o ar, contando o que é melhor ficar sem ser dito. Talvez seja medo, talvez orgulho. Talvez seja o gosto torturante que vê na tristez

Uma vida em Davos-Platz

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"Era inquietante sob todos os aspectos. Hans Castorp estava entusiasmado pelo encontro que acabava de ter, e ao mesmo tempo sentia qualquer coisa como um temor nascente, uma angústia semelhante àquela que lhe causava a sensação de estar preso na mesma cela com a quase-oportunidade favorável: também o fato de Pribislav, havia muito olvidado, vir-lhe ao encontro ali em cima, na pessoa de Mme. Chauchat, fitando-o com aqueles olhos quirguizes, também isso fazia com que Hans Castorp se sentisse preso em companhia do inevitável e do irremovível – irremovível num sentido venturoso e atemorizador. Era um fato auspicioso, mas ao mesmo tempo fatídico, apavorante mesmo, e o jovem Hans Castorp sentiu algo como uma necessidade de socorro. No seu íntimo operavam-se movimentos vagos e instintivos que poderíamos qualificar de olhares, tateios e gestos em busca de apoio, conselho e ajuda. Sucessivamente, pensou em diversas pessoas, das quais, talvez, lhe fosse útil recordar-se." (Mann, Thomas

Idiossincrasia

Semana passada tive que passar 5h na companhia de D. Logo após a primeira meia hora (quando ele descobriu que eu faço Letras) começou a me assombrar com perguntas do tipo “Qual é o certo: tv a cores ou tv em cores?”, para dizer que eu estava errada mal eu acabava de responder. Porém quando entramos na segunda hora a coisa toda se tornou muito mais profunda: ele me explicou por quê é errado chamar um “clarividente” simplesmente de “vidente” e tentou me provar, por A mais B, que “você” não existe como palavra (“afinal – dizia ele – ninguém aprende Eu, Tu, Ele, Você na escola... e se não é um pronome, não é uma palavra, e se não é uma palavra todo mundo fala uma palavra que não existe!”). Eu tentei por um bom tempo explicar para ele que não se deve confiar o que é uma língua ao que a gramática diz dela, que a língua é viva, a norma culta conservadora e todo aquele discurso político-lingüisticamente correto que se aprende no primeiro ano de Letras na USP. Cheguei ao ponto de dizer “pelo a

Quando os olhos cantam e o pensar descreve

“Eu confio que a leitura da poesia pode nos conduzir a verdades tão altas quanto a ciência” Foi o que ele disse, do alto de seus olhos sóbrios e de seu sorriso cúmplice e contido, agora mais freqüente do que lhe é normal. E disse com sua sinceridade crua e exposta, como se fosse um ardor dolorido que o impelisse a tal, embora de um jeito tão lúcido que me transtornou a retidão do pensamento – ele, que diz nunca ter sido tocado pela epifania da verdade, crê no poético como o transpor da brevidade ilusória, e isso ma traz rebuliços de alma. Com sua postura séria, própria de um grande homem transtornado pelo mundo bruto, demonstra sua simpatia por mim de um modo secreto, confidencial: com um leve pender de cabeça, a mão na cintura e um olhar que guarda em si o sorriso ao mesmo tempo acanhado e desbravador das mentes constantemente aflitas. Não sei até que ponto isso é verdade, mas é assim que imagino. Eu o entendo dentro do que ele é em minha concepção, e por isso lhe respondo os gesto

As maravilhas da vida besta

O calor é grande. O suor é constante e o sono é eterno. Certas coisas, "muito entretanto", dão uma alegria besta, tão verdadeira e intensa que chego a envergonhar-me ao perceber que estou sorrindo de orelha a orelha e de olhos arregalados, enquanto as pessoas discretamente se afastam da "pobre menina doida que ri sozinha". No meu cabelo um creme que tem mais cheiro de chocolate do que qualquer chocolate seria capaz de ter, me deixa enjoada. Mas eu não ligo. Hoje estou saltitante: a prova de latim já passou, amanhã é feriado, e outras kleine Sachen mehr. Nem ligo se vou passar os proximos três dias fazendo resenha de morfologia, análise semiótica e preparando texto para seminário de literatura portuguesa. Não me importo. Hoje a Áustria salvou meu dia!

Eu no ENAPOL

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Da esquerda para a direita, a segunda pessoa sou eu (felizmente minha cara não aparece!) (Esta foto foi roubada do site do Departamento de Lingüística da USP)

Contornos

“O senhor sabe, se desprocede: a ação escorregada e aflita, mas sem sustância narrável.” (Rosa, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas) Os contornos são ásperos, disse, sem saber que a aspereza da superfície era apenas uma camada tênue de defesa, contra a extrema sensibilidade interna. Ouvindo músicas em línguas que não conhecia, pois o incompreensível é mais bonito, dizia e sonhava coisas desconexas, que saltitavam multicoloridas diante de seus olhos imaginários, reticentes de todas as vontades. Por sua coluna sempre subiu um arrepio de surpresa, seu espanto ante a realidade. Nas prateleiras do quarto livros velhos e novos ganhavam poeira, igualmente. No chão do quarto, papéis, roupas, garrafas d’água, e tudo mais que daria muito trabalho arrumar. Na cama do quarto, um corpo de olhos presos no teto, com pensamentos longínquos e sentidos concretos. Dores e prazeres nunca são ilusão... “E assim imaginamos nós mesmos as perfeições que criam o nosso suplício” (Goethe, Johann Wolfgang

Um céu de chumbo

Por contrário que seja, o dia frio e cinza traz confortos de alma que outros dias não trazem: há o encolhimento do ser no ser, há o olhar pelas janelas, há árvores sóbrias e esperanças furtivas. Em dias como este, de hoje, sentir-se triste traz até felicidade e a sensação própera de sentir o ar frio entrando pelo rosto e tomando caminho dentro de nós. Dias como este sossegam desesperos, tornam as dores poéticas e a vida, apesar de absurdamente inútil e incompreensível, bela. Como diz Guimarães, na voz de Riobaldo, "viver é muito perigoso!"

There and back again (ou o dia em que Fiorin falou comigo - UH!)

Smilla está de volta, mas não porque merecesse estar de volta. Não: voltou para atender a um pedido especial (embora incompreensível) e que me comoveu imensamente, além de tocar meu ego fragilizado de nova escritora decadente. Foi um pedido de retorno, que de uma vez anterior eu protelei, mas que desta vez, vindo no meio de uma manhã, descompromissado e sincero, e vindo de quem veio (né, tia?) tornou-se irresistível, e eu tive que me render aos seus caprichos. Mas que desde já fique claro que o discurso será o mesmo, até porque a Smilla é "quase" a mesma - o "quase" se explica pelos últimos acontecimentos... E um Enapol depois... No dia 4 de outubro, uma quinta-feira quente, não obstante o meu frio interior, às duas horas da tarde, estava eu sentadinha no palco, diante de um anfiteatro lotado, com um microfone ao meu lado e com o Fiorin sentado bem na minha frente, olhando com sua cara de pós doutor aposentado para minha pobre cara de quem nem terminou o segundo

Só são mortos os que morrem

Os corredores estão vazios a qualquer hora do dia, e o sol de início de tarde que atravessa as grandes janelas de vidros provoca um efeito mágico, como uma transparência visível. O silência sempre pode ser preenchido pelas palavras tiradas de uma página de livro, mas nunca é tão intenso que abafe a teimosia dos pensamentos e sismas infantis: tudo porque recebi um e-mail de uma entidade qualquer que já estava quase se apagando no fundo da memória. Agora imagens insignificantes bailam pelos espaços vazios da minha cabeça (que infelizmente são muitos). Semana passada assisti ao filme "Sob o sol da Toscana", que passou na tv. Pensei que eu poderia ser Francis, exceto pelo italiano moreno claro e de olhos verdes que aparece no final para livrá-la da desilusão. Eu continuo sem italiano, alemão, suéco ou qualquer europeu de olhos claros.

Enquanto isso, no lustre do castelo...

Pois é, a greve não acaba e eu fico enfiada dentro de casa pensando em todo conteúdo que deveria estar sendo dado (conteúdo que eu iria absorver por, no máximo sete dias, para depois esquecer e me lamentar ter esquecido enquanto faço as palavras cruzadas do jornal de domingo do meu pai). Acho que vou largar a faculdade de letras e me dedicar ao sumô - a greve revelou minha capacidade de comer três hamburgueres seguidos, três pratos de comidas e caixas sempre insuficientes de chocolate. Ah, e é claro: a capacidade de engordar dois quilos por dia. hipiyu haiÊ!

Strawberry fields forever

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E de repente seu olhar se torna mais significativo do que permite a realidade. Mas sua voz, e tudo que penso que ela poderia me dizer, torna-se indistinta e vai se apagando nas névoas do sono, que agora dura até às 11 horas da manhã. Não ouço mais seus passos pelos corredores nem sinto mais sua respiração coesa e ritmada. O sonho, em forma de ilusões, evapora-se, e me resta apenas as vozes e os amores brutos que, durante a manhã cinza, entram por minha janela...

Creep

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When you were here before, Couldn't look you in the eye. You're just like an angel, Your skin makes me cry. You float like a feather, In a beautiful world I wish I was special, You're so fucking special. * But I'm a creep, I'm a weirdo. What the hell am I doing here? I don't belong here. * I don't care if it hurts, I wanna have control. I wanna a perfect body, I wanna a perfect soul. I want you to notice, When I'm not around. You're so fucking special, I wish I was special. * But I'm a creep, I'm a weirdo. What the hell am I doing here? I don't belong here * She's running out again, She's running, She run, run, run, run, run. * Whatever makes you happy, Whatever you want. You're so fucking special, I wish I was special, * But I'm a creep, I'm a weirdo. What the hell am I doing here? I don't belong here, I don't belong me.

Warum warum ist Banane krumm?

Muitas roupas abaixo da superfície pode-se encontrar um ser ainda gelado. E o ser anseia por respostas que devem ter se congelado no vento frio da noite paulistana, pois algumas fogem de chegar, enquanto outras, por não existirem mesmo, ficam só na imaginação, nos castelos construídos aleatoriamente na base fluida do ar. * Se Dani estivesse por perto para me ouvir falar, diria: “não fique assim Lulu; quando eu tinha sua idade eu também era assim”, como se ela fosse uma mulher madura de uns 40 anos e eu uma garota de 14. Mas de qualquer forma Dani tem um jeito materno-psicológico que sempre me faz acreditar no que ela diz, e que me deixa mais tranqüila, pensando que daqui a uns 20 anos eu serei uma mulher equilibrada, resolvida e segura (além de velha, é claro), e não uma solteirona de trinta anos e com compulsão por sapatos, como uma personagem de Sexy and the City. Por enquanto minha compulsão é uma língua que eu não consigo falar e que divide o verbo em duas partes (o título em a

Sobre as sutilezas de um ser que dói

Parado num canto qualquer, seus pensamentos pedem o silêncio que se ouve apenas na solidão. Aliás, mesmo que só não esteja, sente gritante a linha dolorida que o divide do mundo, dos outro, do “não-eu”. Em outras palavras, acompanhado ou não, está sempre só. Muito aos poucos, num processo demasiado lento para ser compreensível, deu-se conta de si como ser absoluto, de dor inexplicável, de confusão permanente, de reflexos violentos para defender-se da possível violência e do inevitável desprezo alheio. Muito aos poucos percebeu que não havia ninguém ao seu lado, pois era intrinsecamente só. Percebeu que caminhar ao lado é só caminhar ao lado; que trocar palavras amistosas e gestos de carinho e confiança não é nada mais do que o medo do desamparo, medo de ser preterido e abandonado. Percebeu que nada daquilo realmente importava: só ele sentia a angústia permanente e torturante que se passava em algum canto dentro de si, e ninguém se importaria em ouvir, nem ele talvez achasse vontade em

Não vim ao mundo p'ra ser pedra

A singela semana de folga já vai longe na memória. Agora é botar a mão na massa outra vez, e trabalhar até a exaustão, ficar estrábica de tanto ler e anoréxica pelo stress que consome mais calorias do que uma maratona. Esta semana serei obrigada à infelicidade de passar dois dias inteiros, do alvorecer à madrugada, na USP: quinta terei que resolver alguns assuntos de ordem burocrática e na sexta participarei de um grupo de debates sobre Greimas e assistirei à aula da pós de Semiótica poética, que venho aconpanhando desde o início do semestre. * As provas já começaram a ser marcadas, os trabalhos a ser entregues e o seminário já desponta no horizonte. Este semestre será muito agitadao para minha humilde pessoa; não sei o que me fez pensar que eu seria capaz de fazer duas habilitações, aula da pós, dois cursos de alemão, iniciação científica e manter minha sanidade mental. * Sem ilusões: não obstante as aulas de alemão na graduação e os dois cursos paralelos meu progresso está muito

Para quem faz anos em 4 de Abril

"Não és bom, nem és mau: és triste e humano... Vives ansiando, em maldições e preces, Como se a arder no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano. Pobre, no bem como no mal padeces; E rolando num vórtice insano, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses. Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas com as virtudes satisfeito, Não te arrependes, infeliz, dos crimes: E no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora." [Olavo Bilac] Feliz Aniversário, Tia Andressa!

Horas sem rumo

As horas já não progridem como deveriam progredir: elas passeiam, faceiras, sobre meu tempo, inconscientes, saltitantes, alteradas. Elas, as horas, vivem então uma vida própria, esquecem de que é preciso um eixo temporal para se enxergar a semântica das coisas, e me jogam por aí, sem saber ao certo para qual lado estou andando, sem saber mesmo se ando. Quando durmo ouço as palavras quentes que eu digo ao meu próprio ouvido, por dentro, como se não fosse eu quem as dissesse. Os valores são relacionais, mais as minhas palavras ditas com tanta fé ao meu próprio coração aflito não têm parâmetros: descubro, logo na primeira fase do sono, que minhas palavras se apóiam no vento e sou eu quem faz de mim uma pessoa enganada. As horas perdem-se e morrem no momento seguinte. Minhas horas passam sem que eu as veja. Quisera que caminhassem calmas como os elfos de cabelos claros. Minhas horas correm desvairadas, chocam-se com os muros de meu abrigo e caem tontas e desiludidas, sem mágoas porém com

Mais do mesmo

Há séculos que este singelo blog está pra lá de abandonado. Talvez seja por falta de novidades ou talvez seja o caso de todas as novidades serem muito parecidas (a USP e o Alemão consomem todos os meus dias). Meu projeto de IC em semiótica poética está num vai-não-vai aguniante (se eu não fosse atéia diria que isso é um sinal divino, mas como sou, não sei explicar o motivo). A última semana, até ontem (quarta-feira), não foi boa: fiz exame de sangue, minha garganta estava toda inflamada, passei um dia inteiro com cólica e dias sem respirar, com o nariz entupido (a narina esquerda sempre mais entupida que a direita, afinal o pulmão esquerdo é menor); sem contar que tive que sair correndo para tudo quanto é canto para conseguir enviar o projeto (que ainda não enviei) para tentar a nova bolsa da USP e começar a adaptá-lo para a bolsa da FAPESP. Estou um trapo de gente, porém agora um pouca mais feliz. Agora já estou conseguindo respirar um pouco melhor, a cólica já passou e os documentos

Domingo, Segunda e Segunda quase Terça

[Domingo] Passou na tv, pela milésima vez, o filme “O guarda-costas”, o que certamente me desviou do propósito de terminar o meu primeiro fichamento do semestre (sobre o Classicismo português). Não é, certamente, o que se possa chamar de bom filme: o roteiro é fraco, Kevin Costner faz o mesmo cara durão de todos seus filmes e Witney Huston, tirando o olhar muito sincero que dizia “vou comer este cara” que ela destinava ao Frank, personagem de Costner, é uma péssima atriz. Não obstante tudo isso que depõe contra o longa, eu o acho imensamente gracioso e, desde que o assisti pela primeire vez, há uns cinco ou seis anos atrás, não resisto, e toda vez que ele passa assisto novamente. É fabuloso ver Kevin pulando de um carro “quase” em movimento, para depois sair correndo no meio do mato, pular um muro e “quase” cair em cima de outro carro. Ou então bater em um sujeito duas vezes maior que ele sem levar um único murro na cara, atravessar uma multidão numa casa noturna e sair carregando a m

Primeiras novas impressões

As aulas finalmente recomeçaram. Passado o primeiro impacto de abandono, resultante da debandada dos amigos por quatro diferentes habilitações e divergências de horários nas únicas matérias em comum, aos poucos se começa um novo processo de ambientação, para que os rostos ao redor se tornem conhecidos, não necessariamente amigos, porém ao menos familiares. Creio que a turma de alemão será mantida para as disciplinas da habilitação de Português, o que de certa forma contribui. Eu e E., pelo menos, já verificamos que temos todas as matérias em comum. Além disso, resta se acostumar com os novos professores, que foram impostos e distribuídos pelo mais incoerente acaso. Até agora só conheci dois, ou melhor, duas: M., de Língua Alemã I, que parece ser simpática e bem humorada; e F. de Literatura Portuguesa I, que ao que tudo indica tem laivos de histeria, é metódica e exigente, sem que isso a torne, entretanto, propriamente antipática. No primeiro semestre só tive uma professora. No segundo

Pequenas comoções (ou comoções refratárias)

L. (meu irmão) e eu compartilhamos do que eu carinhosamente nomeei, numa taxionomia do nosso sistema passional, de “ansiedade covarde”. Acontece que ele é apenas um menino; e eu não. Todo início de semestre ele, sábado à noite, começa a se sentir mal. Seu rostinho, entre o inocente e o cínico, se torna de uma brancura cadavérica, ele todo fica gelado e suas mãos ainda pequenas repousam no estômago, para tentar se proteger da ânsia de vômito que ele ingenuamente chama de “dor de barriga”. No dia seguinte à retomada às aulas, entretanto, L. já retorna ao seu estado normal, ou seja, um misto de humor pastelão e irritação arrogante, discutindo com minha mãe pelo direito de abandonar os deveres de casa para poder jogar “videogueime” (como diz Maurício de Souza). É certo que meus sintomas são muito amenos, o que talvez seja apenas o resultado de quase duas décadas de existência. De qualquer forma, os medos de hoje já fazem sentido: são racionalmente (ou pelo menos assim penso) explicáveis. A

As oito patas da aranha

Segundo a definição, a aranha pertence à classe dos artrópodes terrestres, assim como o escorpião, o carrapato e o ácaro, com oito patas e corpo dividido em cefalotórax e abdome. As aranhas, em particular, são aracnídeos cujo abdome tem glândulas que segregam seda, com que fazem as teias. (cf. verbetes “aracnídeo” e “aranha” do Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa) Hoje, quando fui inocentemente buscar o creme de pentear na janela do banheiro, avistei uma aranha de diferentes gradações de marrom na parte de cima do vitrô. Lentamente retirei o chinelo do pé direito e desferi um golpe que era para tê-la atingido. Porém como não atingiu ela pulou para cima de mim. Atendendo a meus gritos descontrolados, meu irmão (sete anos mais novo) invadiu o banheiro, que estava com a porta encostada, para ver que tipo de besta fera havia me atacado. Embora L. não seja um poço de coragem, começou a procurar a aranha, depois de verificarmos que ela não estava na minha roupa nem em meu cabelo. A

Do outro lado do muro

Os estados não se aplacam com a simples chegada de um inédito alvorecer, mas certamente ganham novos matizes, de relevância sutil porém significativa. Ontem foi um desses dias em que tudo ganha, de forma inesperada, senão propriamente uma graciosidade particular e inerente, pelo menos um colorido especial. Desisti de abandonar (pelo menos por hora) meu curso de alemão aos sábados, que tantas vezes me deixou tão iracunda. Ontem a aula foi muito boa para mim (senti uma sensível melhora de meu ouvido adormecido, que sempre se recusa a ouvir o que nunca foi ouvido antes, embora ele continue ignorando a existência do advérbio “auch” e confundindo “nicht” com “nie”. Mas isso um dia passa, assim espero. De qualquer forma fiquei muitíssimo feliz com meu singelo (e esse sim gracioso) progresso. * Fui com Rita, T. e sua prima, I., à Pinacoteca (P. e R. não puderam ir). Como sou uma pessoa muito antropofóbica gosto de passeios assim, resumido a poucas pessoas porém todas muito amigas, sem mult

[...]

O momento não é dos melhores. São várias as aflições e os medos e eu não sou exatamente uma pessoa que saiba lidar com incertezas sem passar por noites mal dormidas, intensas dores estomacais, cefaléias latentes e mal-humores incuráveis. A ansiedade é um mal terrível: consome dias, noites, vidas... Uma vez me disseram que ela não é necessariamente ruim, mas sim um modo muito intenso de encarar as pequenas e grandes intempéries diárias, uma forma mais intensa de viver a vida. Porém quando se enfrenta ansiedade e angústia, ao mesmo tempo, o desespero atinge proporções desmedidas, exageradas. Eu sinto-me como se estivesse com a cabeça submersa, e um detalhe importante é que não sei nadar e sou semi-claustrofóbica. Até que eu tento fugir de tudo isso, esquecer por um tempo, sorrir e fingir que tudo está (ou ficará) bem, mas quando se encara, na solidão de um dia de calor desértico, as paredes do próprio quarto às 3 horas da tarde, não há como escapar ileso dos pensamentos tumultuados e c

Pequena nota póstuma

Quando estávamos no início do Ensino Médio, Andressa e eu vivíamos em um planeta bizarro . Andávamos com T., que diferente de nós era toda menininha e num primeiro momento desviava toda atenção para si, com seus olhos verdes e seu cabelo louro. Nessa mesma época tentávamos ser populares, certamente porque queríamos compensar nosso terrible time de Ensino Fundamental. Tentávamos mesmo: conversávamos com as pessoas que alguns meses depois estaríamos odiando e passávamos o intervalos com os garotos populares, que ficavam os 20 minutos do "recreio" conosco por causa de T. (que não obstante o cabelo louro, liso e comprido, e os olhos esverdeados não era tão bonita assim). Nossas tentativas foram realmente inúteis: éramos, e ainda bem que ainda somos, muito diferentes dos membros funestos daquela dita "escola técnica". Tanto que quando estávamos sozinhas, longe de T., reclamávamos porque não tínhamos nenhuma idéia suficientemente boa para escrever uma livro que se torn

A vizinha maldita II: notícias do submundo

Hoje as obras da vizinha começaram às 7h17. Às 7h30 eu estava apertando a campainha da casa dela. Ao contrário do que escrevi no post passado, não fui de relógio em punho, nem a xinguei de “velha louca”. Mesmo assim, fiz questão de ir com meus cabelos desgrenhados e com meus olhos inchados, para que ela percebesse que aquilo realmente estava me incomodando e me enlouquecendo. Disse-lhe, a princípio muito educadamente, que compreendia que ela estivesse reformando a casa, porém que não havia condições de ela começar a quebrar tudo tão cedo. Disse-lhe que ontem o pedreiro começou a quebrar às 7h e parou por volta das 10h, ou seja, que se fosse usado um pouco de bom senso, ele poderia muito bem começar um pouco mais tarde, pelo menos às 8h, sem prejuízo de ninguém. Ela me respondeu que o barulho também a incomodava mas que ela não poderia fazer nada porque: - O horário que o “moço” começa a trabalhar é às 7h; - Às 7h já se pode fazer barulho (às 8h é em condomínio); - E o que eu posso faz

A vizinha maldita

São7h da manhã. Ainda (é claro) estou dormindo, porém um retumbar inicialmente distante vai tomando minha mente adormecida. Pareço estar nas profundezas de Moria, com tambores ritmados comandando um exército de criaturas do submundo. Mas não são orcs nem dragões que vêm macular meu frágil sono perturbado por noites e mais noites de insônia e sim a minha mais nova vizinha: uma velha louca que contratou um pedreiro para quebrar a escada da frente às já mencionadas 7h da manhã. Hoje foi só o primeiro dia da reforma: segundo minha mãe, ela quer destruir um quarto, construir uma laje e arrumar a garagem. Por que diacho esta criatura infeliz não comprou uma casa do jeito que queria? * São 8h05. Estou quase batendo minha cabeça na parede para acompanhar o tum-tum do desperto pedreiro, bem ao lado da minha janela. Escuto meu pai no portão; está voltando da padaria. Desço para tomar café da manhã com ele e despejar nos seus ouvidos todo o ódio que estou sentindo da velha. * São 8h20.

Mesquinharias

A "Retórica da Poesia" deixou seqüelas. Não sei se o livro é bom: pois é, eu li o livro, mas não sei se é bom. Creio que seja interessante para pessoas de Q.I. mais elevado (quero dizer, geniais mesmo), que entendam muito de retórica, semiótica e teoria literária (um misto de Martinho, com Pietroforte e Zular. Coisa pouca, não). * "Fernando Pessoa ou o Poetodrama" (José Augusto Seabra) é bom - não é muito profundo, mas faz um geral bem interessante sobre Fernando Pessoa "ele mesmo" e seus três principais heterônimos, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e o 'mestre' Alberto Caeiro. * Ontem, domingo, fui até a feira da Liberdade, um pesseio de última hora, a convite de R. Foi muito legal: vimos muitos japoneses (dahn), comemos uma comida japonesa cujo nome não me lembro, fuçamos um sebo e compramos algumas besteirinhas (poucas, uma eu, outra ela, porque estamos pobres).

Histeria

Ontem acordei bem cedo e fui até a USP, tudo por conta de um desespero. Eu poderia muito bem ter acordado às 10h, assistido às “Aventuras de Mickey e Donald” e “Witch”, tomado um banho bem demorado, arrumado meu quarto, almoçado, para só então tomar coragem para enfrentar 2h de viagem. Mas não fiz nada disso: acordei cedo e fui. Quando liguei no Centro de línguas, há cerca de uma semana, falei com uma moça muito educada que me disse: “Olha, a matrícula começa às 9h30. São só 30 vagas e nós distribuímos senha. Eu te aconselho a chegar cedo.” Como se alguém, além de mim, fosse querer fazer um curso chamado (simbolicamente) “Leitura de textos em alemão para Filosofia e Ciências Sociais – Nível I”. * Assinei minha matrícula por volta das 11h; fui a sexta pessoa a fazê-lo. Pelo menos eu aproveitei para comer minha torta de frango (durante o período de aulas ela acabava tão rápido que quando eu chegava na cantina só tinha de palmito – e eu detesto palmito).

Mundos Possíveis II

Estávamos, L. – meu irmão – e eu, sentados dentro de uma casa de árvore quando recebi uma mensagem, não sei de onde nem de quem. Dentro de um envelope pequeno e rosado havia uma moeda de prata com os seguintes dizeres cunhados: “não deixe que o amanhã chegue”. Apavorada, pensando na desgraça que aconteceria caso uma nova aurora tomasse os céus, desci apressada do alto da árvore puxando com histeria meu jovem irmão, que carregava numa das mãos uma sacolinha de supermercado. Demos com um amplo saguão a céu aberto, nos fundos do que parecia ser um castelo – um castelo sombrio, velho e abandonado. Passamos por um dos arcos e entramos num grande salão mal iluminado. Eu, sempre insistindo para que L. andasse mais rápido e não fizesse barulho, corria sem parar, segurando-o firme pela mão livre, como se temesse que ele ficasse para trás e eu não pudesse voltar. * Enfim chegamos, não sei como, a um grande banheiro de piso branco e com várias repartições. Das pias jorrava uma quantidade enor

Subversão

Toda vez (e são muitas vezes) que P., meu professor de alemão, diz que “a oralidade subverte as regras”, sinto minhas mãos ficarem levemente aquecidas e mais pressinto do que sei que um sorriso tomou-me o rosto. Sei que P. pensa que isso é sinal de concordância, como se eu dissesse sem dizer: “esses falantes nativos inconseqüentes que desconsideram séculos, para não dizer milênios, de desenvolvimento gramatical desde a gênese do sistema verbal e saem por aí falando do jeito que bem entendem, ignorando a existência de todos os manuais de gramática e etc. etc. etc.” Acontece que não é bem assim... Justo eu, purista que sou (ou tento ser) penso em citar-lhe Saussure, lingüista que considerava a língua como uma “instituição social”, além de toda aquela baboseira que se aprende em IELP (muito mais do que em Lingüística) como o fato de que a língua, como instrumento de comunicação, é de natureza dinâmica e que é, por isso, impossível conter sua evolução. Acho que é esse curso de Letras que

No reino do sono

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Os ursos-polares são mamíferos carnívoros que pertencem à família dos ursídeos; são animais muito resistentes, que além de serem exímios nadadores, podem percorrer até 80 km sem descansar. Eles são extremamente solitários, tanto que os únicos laços familiares que formam são os entre mães e filhos. Durante o inverno o urso polar entra em um estado de dormência (hibernação), no qual passa a subsistir de reservas de gordura corporal, sem que a temperatura de seu corpo chegue a cair. Todos os dias, quando acordo por volta de 8h30 da manhã, e fico curtindo meu sono pausado e extremamente cansativo, penso como seria bom hibernar por longos períodos, sem acordar no meio da noite com fome ou vontade de fazer xixi, sem contar o fato de não ter nenhum tipo de obrigações para com os outros. É verdade que deve ser um pouco triste ser tão solitário assim, porém não há nada mais sublime do que um sono ininterrupto, não recortado e perturbado por sonhos ou procupações com as provas trimestrais. Como

Por uma anti-revolução

Nunca tive ímpetos revolucionários. Ou melhor, tê-los, já os tive, porém eles sempre morreram no momento exato em que deveriam vir à tona, permanecendo no mundo de faz-de-conta da Srta. Smilla. Sabe-se lá como é, o espírito romântico tem suas crises, muda o alvo, muda os ares, os rostos ao redor, todavia nunca deixa de ser romântico, de carregar uma dor inexplicável e amarga na alma. Não é um romantismo como se entende “romantismo”: é uma maneira frustrada de ver que as coisas não são como em seu “mundo possível”, e que mesmo assim é-se obrigado a bater as caras no tal do “mundo real”. Sou tão “conservadora”, se é que é este o item lexical mais apropriado, que lamento até o fato das coisas não serem como deveriam ser. Minhas lástimas mais intensas sempre recaem sobre meu próprio ser. Hoje, histérica, com o coração aos saltos, com lágrimas tímidas e incontroláveis inundando os olhos e com a voz falha pela indignação, ouvi minha mão dizer em tom irritado que não sou feliz porque não que

Comoções

A chuva se empenhou em estragar o fim de semana, mas não conseguiu me impedir, com sua desagradável umidade, de usar da minha pequena parcela de felicidade e da minha incomensurável comoção romântica. Fui, com a Rita, ao MASP, que estava incrivelmente vazio. De novo por lá, há uma exposição de fotografia e outra de “artefatos” japoneses. E só. Passamos mais tempo falando com o ascensorista do que passeando pelo museu. * Fomos também ao Shopping Frei Caneca: o único lugar do mundo que tem mais gay por m2 que o prédio da Letras – cada vez que vou lá fico mais convencida disso. É um lugar onde todos os casais (sejam eles gays ou não) se mostram muito felizes, passeando com seus respectivos filhos caninos. Já tenho minha filha canina (a graciosa e saltitante Nina) só me falta um “par pra dividir”, como diz a música dos Los Hermanos, principalmente porque sei que a criatura fosforescente dos meus dias... bem, mas isso é mesmo uma outra história, sem começo e sem fim. Enfim, embaladas po

I love Peanuts!

Controlar o apetite é uma forma de tortura. Estou tentando comer menos, mas meu estômago ronca e fica se mexendo. Neste momento, daria minha vida por um pacote de amendoim açucarado bem quentinho. Estou morta de preguiça, então estou usando da minha retórica (que é péssima) para convencer alguma das criaturas daqui de casa a ir comprar um para mim. * Troquei a ira pela ironia. Faz bem para a pele: o suor não surge pelo seu rosto, as veias não saltam na sua testa e seus olhos não ficam injetados.

A caminho de Lothlórien

Os dias agora passam mais conformados. O desespero pós-traumático que a mudança de ano sempre me traz já foi contornado: sinto-me melhor. Por esses dias, passeei, li, estudei... tudo do meu jeito, à la Srta Smilla. Não estou mais dedicando minhas tardes a dormir sobre minha bagunça, até mesmo porque arrumei meu quarto – se eu virar um Ungeziefer, como Gregor Samsa, vou precisar de um pouco mais de espaço... Estou tentando controlar a bílis, comer menos, beber mais água, fazer exercícios e manter meu espaço em ordem – o que é difícil porque sou explosiva, esfomeada, sedentária e desorganizada. Custa muito ser uma pessoa melhor, principalmente quando (como no meu caso) se é perfeccionista sem estar nem um pouco próximo da perfeição – isso deixa qualquer um paranóico, ou, pelo menos, deixou-me paranóica. * Estou, entretanto, sentindo uma alegria boba e inexplicável, como toda alegria deve ser. Talvez sejam os primeiros sinais de mudança, da estabilidade emocional que eu sempre busquei m

Gregor Samsa

Ano novo? Ano novo. Nunca acreditei em resoluções de ano novo, principalmente porque eu sempre fiz muitas e nunca cumpri nenhuma. Esse ano, entretanto, fiz diferente: peguei um papel e fiz uma lista com 10 itens que devem ser cumpridos durante o ano. Sempre tive uma tara incomum por listas, então talvez dê certo agora, aproveitando a mudança de calendário para implantar uma nova política de funcionamento no "Mundo da Luise", afinal esse é realmente o período mais conveniente para se efetuar mudanças, pois é quando se pode reformular toda a rotina, criar uma nova rotina. * Dentro de dois dias sai o resultado do ranqueamento. Friozinho.... * Correções em "calorias noturnas" (21/11/06) Descobri que o que realmente faz engordar são três coisa: Genética; Idade; Comida. Com a genética ou com a idade nada se pode fazer (como diz meine Mutter, ou se envelhece ou se morre). O jeito mesmo é arranjar um outro modo de controlar a aflição que não seja com comida – talvez um