Smilla está de volta, mas não porque merecesse estar de volta. Não: voltou para atender a um pedido especial (embora incompreensível) e que me comoveu imensamente, além de tocar meu ego fragilizado de nova escritora decadente. Foi um pedido de retorno, que de uma vez anterior eu protelei, mas que desta vez, vindo no meio de uma manhã, descompromissado e sincero, e vindo de quem veio (né, tia?) tornou-se irresistível, e eu tive que me render aos seus caprichos.
Mas que desde já fique claro que o discurso será o mesmo, até porque a Smilla é "quase" a mesma - o "quase" se explica pelos últimos acontecimentos...
E um Enapol depois...
No dia 4 de outubro, uma quinta-feira quente, não obstante o meu frio interior, às duas horas da tarde, estava eu sentadinha no palco, diante de um anfiteatro lotado, com um microfone ao meu lado e com o Fiorin sentado bem na minha frente, olhando com sua cara de pós doutor aposentado para minha pobre cara de quem nem terminou o segundo ano da graduação.
Foram exatos 12 minutos e 34 segundos que eu passei falando sem fazer a mínima idéia do que saia da minha boca, e secretamente me vangloriando pelas milhares de vezes que eu repetira minha apresentação no chuveiro, no ônibus, fazendo comida, limpando a casa, durante as aulas, deitada antes de dormir e até sonhando, até que tudo se tornasse satisfatoriamente macânico.
É claro que nada disso foi suficiente para que eu não passasse o tempo todo tremendo, gaguejando, com dor de barriga e olhando para a mesa (afinal o Fiorin estavabem na minha frente, dividindo sua atenção entre o meu hand-out e o meu desespero, me olhando com uma expressão que na hora me pareceu um misto de compaixão e incredulidade por eu estar falando tanta idiotice).
Quando eu terminei quis pular sobre a mesa e sair correndo e gritando "AAAAAAh!", como quem diz "não me perguntem nada pois não estou no meu juízo perfeito". Mas não. Tive que permanecer sentada, esperando que as quatro apresentações seguintes terminassem e dessem lugar a fatídiga sessão de perguntas, na qual o Fiorin disse que tinha algo para me dizer e eu, esboçando um leve sorriso de Monalisa em crise intestinal, internamente desejei que um de nós dois tivesse uma síncope e caísse duro antes que ele abrisse a boca.
Naturalmente que meus desejos não foram realizados, mas ao contrário do que eu esperava ele foi muito gentil: disse que tratar de objetividade e subjetividade na obra do Caeiro é algo muito complexo e que talvez fosse melhor enfocar a figuratividade, e terminou dizendo "mas eu não sei, isso foi algo que me ocorreu agora" e para eu, que estava debrussada sobre o assunto e entendia mais de Caeiro do que ele (!!!!!!!!!etc etc !!!!!!!!!!) decidir o melhor a fazer.
Saí daquele anfiteatro meio tonta, me lembrando dos dois meses que eu passei desesperada esperando esse momento, falando todos os dias para Érika que "o enapol está chegando. Buá" para ouví-la responder, compreensiva como sempre, para eu ficar calma e que ela estaria lá, e tendo crises de pânico em casa até que meus pais me considerassem doida. Enfim, saí de lá certa de que essa iniciação, como diria o graciosíssimo professor Mário Viaro, foi uma idéia de xarope de minha parte e que eu preciso acabar com ela antes que ela acabe comigo!
[...]
A Smilla de agora também é bem menos responsável que a de dois semestresa trás - só restou a neurose da responsabilidade.
Ah, e agora também é uma pessoa tocada pela marca maior do capitalismo: as dívidas.
Fiz meu primeiro crediário nas Casas Bahia...