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Mostrando postagens de dezembro, 2007

Recesso mental

Faz umas três semanas desde que meu cérebro parou. Ele pede férias, e eu concordo.

Entretanto

De repente a gente se acostuma com o vento frio que sopra de alguma direção desconhecida. Se acostuma também com as feridas nas mãos, que nunca se curam, e com os olhos baixos, um pouco amargos, que não permitem divisar horizonte algum.Talvez a gente supere a questão da assimetria, do lado direito ser mais rústico que o esquerdo. Pode ser que num dia vazio a gente consiga caminhar pelas ruas, com uma música antiga na cabeça, com passos largos e lentos nos pés e a indiferença pelo mundo disfarçada atrás dos óculos escuros. Quem sabe a gente pára de esperar ligações, companhia ou compaixão, supere as fobias crescentes e vença os medos infantis. Na verdade, um dia a gente cria coragem para pôr a cara no mundo, mas isso do nosso jeito, contido, sem expansões ou excessos, que afinal não gostamos nem dos excessos nem da noite. Faremos tudo isso na segurança das manhãs claras, nos despedindo com um sorriso largo e uma mala nas costas. Caminharemos até o fim da rua e dobraremos a esquina, rumo

Horas duráveis

Um leve tremor lhe sobe pelas costas frias, e sobe até tomar os dois olhos negros como lugar de repouso. O olhar, comandado pelo medo autoritário, vai por caminhos oblíquos, ultrapassando os vãos negros dos mistérios indecifráveis. Esse olhar assim cada vez mais marcado pela tristeza linear e amarga, só pode pertencer a alguém demasiadamente apegado à própria dor e que seja, de uma certa forma inconfessável, orgulhoso de sua melancolia. São olhos que se fecham ante a grandeza que oprime todo o ser, ante o cansaço que assola todo o corpo, ante o medo que consome toda a vida. As mãos, igualmente trêmulas, repousam rápida e nervosamente sobre os olhos, como se assim fosse possível impedir a torrente estúpida de lágrimas aflitas. O peito inócuo anseia por dar as respostas vazias que acolhe, mas algo impede que a voz tímida e áspera saia, ferindo confusamente o ar, contando o que é melhor ficar sem ser dito. Talvez seja medo, talvez orgulho. Talvez seja o gosto torturante que vê na tristez

Uma vida em Davos-Platz

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"Era inquietante sob todos os aspectos. Hans Castorp estava entusiasmado pelo encontro que acabava de ter, e ao mesmo tempo sentia qualquer coisa como um temor nascente, uma angústia semelhante àquela que lhe causava a sensação de estar preso na mesma cela com a quase-oportunidade favorável: também o fato de Pribislav, havia muito olvidado, vir-lhe ao encontro ali em cima, na pessoa de Mme. Chauchat, fitando-o com aqueles olhos quirguizes, também isso fazia com que Hans Castorp se sentisse preso em companhia do inevitável e do irremovível – irremovível num sentido venturoso e atemorizador. Era um fato auspicioso, mas ao mesmo tempo fatídico, apavorante mesmo, e o jovem Hans Castorp sentiu algo como uma necessidade de socorro. No seu íntimo operavam-se movimentos vagos e instintivos que poderíamos qualificar de olhares, tateios e gestos em busca de apoio, conselho e ajuda. Sucessivamente, pensou em diversas pessoas, das quais, talvez, lhe fosse útil recordar-se." (Mann, Thomas

Idiossincrasia

Semana passada tive que passar 5h na companhia de D. Logo após a primeira meia hora (quando ele descobriu que eu faço Letras) começou a me assombrar com perguntas do tipo “Qual é o certo: tv a cores ou tv em cores?”, para dizer que eu estava errada mal eu acabava de responder. Porém quando entramos na segunda hora a coisa toda se tornou muito mais profunda: ele me explicou por quê é errado chamar um “clarividente” simplesmente de “vidente” e tentou me provar, por A mais B, que “você” não existe como palavra (“afinal – dizia ele – ninguém aprende Eu, Tu, Ele, Você na escola... e se não é um pronome, não é uma palavra, e se não é uma palavra todo mundo fala uma palavra que não existe!”). Eu tentei por um bom tempo explicar para ele que não se deve confiar o que é uma língua ao que a gramática diz dela, que a língua é viva, a norma culta conservadora e todo aquele discurso político-lingüisticamente correto que se aprende no primeiro ano de Letras na USP. Cheguei ao ponto de dizer “pelo a