Quando os olhos cantam e o pensar descreve

“Eu confio que a leitura da poesia pode nos conduzir a verdades tão altas quanto a ciência” Foi o que ele disse, do alto de seus olhos sóbrios e de seu sorriso cúmplice e contido, agora mais freqüente do que lhe é normal. E disse com sua sinceridade crua e exposta, como se fosse um ardor dolorido que o impelisse a tal, embora de um jeito tão lúcido que me transtornou a retidão do pensamento – ele, que diz nunca ter sido tocado pela epifania da verdade, crê no poético como o transpor da brevidade ilusória, e isso ma traz rebuliços de alma. Com sua postura séria, própria de um grande homem transtornado pelo mundo bruto, demonstra sua simpatia por mim de um modo secreto, confidencial: com um leve pender de cabeça, a mão na cintura e um olhar que guarda em si o sorriso ao mesmo tempo acanhado e desbravador das mentes constantemente aflitas. Não sei até que ponto isso é verdade, mas é assim que imagino. Eu o entendo dentro do que ele é em minha concepção, e por isso lhe respondo os gestos de simpatia com meu sorriso mais sincero e com o brilho mais longínquo que consigo trazer à tona em meus olhos. Acho também, de acordo com minha narrativa sobre ele, que temos muito em comum: o desejo e o medo da solidão, a dor e o receio de sentir, o desconcerto em relação à realidade. Na verdade somos exatamente como ele definia o eu lírico da poesia do Drummond: sujeito da solidão povoada, no meio da rua e com uma pedra no meio do caminho; somos do finito e da matéria. Creio sinceramente que somos assim, mas não explico. Pessoas como nós simplesmente se reconhecem, como o refrão de uma música:
“não quero ser triste como o poeta que envelhece lendo maiakóvski na loja de conveniência não quero ser alegre como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo nem quero ser estanque como quem constrói estradas e não anda quero no escurocomo um cego tatear estrelas distraídas amoras silvestres no passeio público amores secretos debaixo dos guarda-chuvas tempestades que não param pára-raios quem não tem” (“Minha casa”, Zeca Baleiro)

Comentários

Anônimo disse…
Concordo com a sua descrição. Acho que nos compactuamos com essa concepção de mundo que tão bem o Drumond soube externar, a falta de respostas a incopletude do sujeito, tão pequeno diante do mundo. Eu aprendi a gostar da pessoa referida quando tive essa mesma percepção que vc.
D ... disse…
ah...tia, não me faça chorar.
só não vou dizer que me identifico pq sempre que faço isso, acabo achando que é pretensão demais ficar me comparando a uma das pessoas mais lindas desse mundo...eu, tão sem graça...
Thalita disse…
que letra bonita!

caramba, Lu, acho que você escreve tão bem, tãão bem. Esse ser que você descreveu se transformou num personagem digno de uma grande romance. :)
quando eu entro aqui e vejo que tem post novo ressoa na minha cabeça um 'oba!' todo animado.
Sinayoma disse…
Nossa, adoro como vc escreve, como descreve as situações e personagens.

Você devia pensar em escrever um livro.

Eu compraria!:)

obs: não conheço essa música do Zeca Baleiro!
D ... disse…
eu tb compraria, tia... se vc não desse um dos primeiro exemplares e tal... que daqui a um seculo vai valer uns milhões
Thalita disse…
haha, sabe que eu sinto vergonha do meu blog?
Assim do fundo do meu coração. haha

Quando alguém que me interessa de alguma forma comenta que leu algo de lá eu logo penso 'danou-se'..

haha

docinha!
=****

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