Por uma anti-revolução

Nunca tive ímpetos revolucionários. Ou melhor, tê-los, já os tive, porém eles sempre morreram no momento exato em que deveriam vir à tona, permanecendo no mundo de faz-de-conta da Srta. Smilla. Sabe-se lá como é, o espírito romântico tem suas crises, muda o alvo, muda os ares, os rostos ao redor, todavia nunca deixa de ser romântico, de carregar uma dor inexplicável e amarga na alma. Não é um romantismo como se entende “romantismo”: é uma maneira frustrada de ver que as coisas não são como em seu “mundo possível”, e que mesmo assim é-se obrigado a bater as caras no tal do “mundo real”. Sou tão “conservadora”, se é que é este o item lexical mais apropriado, que lamento até o fato das coisas não serem como deveriam ser. Minhas lástimas mais intensas sempre recaem sobre meu próprio ser. Hoje, histérica, com o coração aos saltos, com lágrimas tímidas e incontroláveis inundando os olhos e com a voz falha pela indignação, ouvi minha mão dizer em tom irritado que não sou feliz porque não quero, que não me aceito e vivo reclamando de tudo. Peguei minhas roupas que estavam pelo chão e fui me esconder no banheiro, onde engoli as lágrimas, controlei os batimentos cardíacos e calei a voz. Lembrei-me que, quando eu era pequena e ficava muito iracunda, tentava gritar mas chorava e soluçava tanto que os sons que eu conseguia produzir tornavam-se incompreensíveis e abafados, o que me fazia chorar ainda mais. Várias foram as vezes que me propus, num pacto íntimo, não mais me questionar, ignorar meus defeitos e acreditar apenas em meus aspectos positivos. No livro “Senhorita Smilla e o sentido da neve” (de Peter Hoeg), Smilla diz que os groenlandeses, ao contrário dos dinamarqueses, gostam de colocar suas dores em microscópios para que elas pareçam maiores; gostam de cutucá-las, de explorá-las. Smilla era groenlandesa. Eu não sou, mas ajo como se fosse. * No final do dia já me sentia melhor; já havia (quase) esquecido a crise matinal (todo dia tem que ter uma; é questão de rotina). As lágrimas ainda não vertidas evaporaram graças ao calor de 34 graus e aos ônibus lotados de São Paulo. Nas minhas andanças diurnas, comprei um cd de mp3 da Christina Aguilera para ouvir as músicas que, como diz a Andressa, fazem seu quadril balançar sem que você queira, e para curtir a fossa existencial que só uma voz forte sabe representar (Damien Rice só serve quando se está apaixonado). * Enfim, "treme dos pés à cabeça, porque acaba de lhe faltar o chão e principia a sonhar" (Nietzsche, in: Assim falou Zaratustra) A vida é cruel amigos, mas de qualquer forma ninguém disse mesmo que seria o contrário...

Comentários

Thalita disse…
Ah, minha lindinha, não fique assim que meu coração se parte! ^.^

Sabe, eu também sou mais adepta das lágrimas que dos gritos. A minha mãe há muito que não partilha das minhas crises, quem cumpre esse papel é o R. que sempre vêm com seu pensamento racional dizendo que eu tenho absoluto controle sobre mim mesma, que eu fico triste porque quero, que não esqueço algo porque quero, que as pessoas agem de determinada forma porque eu deixo.
Ah, nada me deixa mais irritada! Mas talvez ele tenha sua pontinha de razão, porque eu admito que vejo prazer e beleza nesse espírito romântico que você descreveu, nessas expectativas improváveis a respeito do mundo e de todas as pessoas que estão nele.

Eu acho é que toda essa sensibilidade em relação ao mundo não vai durar pra sempre (deve chegar ao auge e depois decair com o passar dos anos ^.^), então ela tem é que ser vivida, oras, vida longa a todos os exageros ! (os verdadeiros e os que só são exageros aos olhos dos outros)
E depois, toda crise gera bons frutos, como esse texto lindo que você escreveu, por exemplo.

Um beijão, minha groenlandesinha de alma sensível!
=*
Thalita disse…
Ah, estamos acumulando compromissos, olha só: há a comédia romântica, o museu e arranjar um lugar que venda frutas com chocolate (esse eu adicionei por minha parte, é q não tem mais no Frei Caneca =P), além de me apresentar a Andressa (ela disse q vai fugir de mim se me encontrar no HSBC *_*).
D ... disse…
a felicidade dos românticos é esta. paciência.
chore não, que eu choro tb. vc sabe.
estou tentando fugir disto, que eu sempre fui. mas tá muito difícil. ainda mais com esta necessidade que eu tenho de me confessar com a minha mãe, que acha que tudo isoo acontece pq eu não vou a igreja e bla bla bla.

**

acabei não indo ao HSBC. então, a moça Thalita nem tem noção de quem sou. dependo de vc, novamente, tia.

***

Odeio Christina Aguilera. Ela não balança meu quadril e nem é boa companhia para as crises. Sou mais uma barulheira, algo bem caótico.
Anônimo disse…
Você escreve muito bem, garota: está na hora de esquecer as lástimas e viver de suspiros literários. Topas?

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